Os Caminhoneiros e o Ajuste Fiscal

O movimento dos transportadores rodoviários autônomos, que paralisou o país a semana passada, mostrou a amplitude e a intensidade da insatisfação de grande parte dos brasileiros com o governo nacional. Os caminhoneiros são prestadores autônomos de serviço, que em condições mais normais repassariam seus aumentos de custos – de pedágio, combustível, multas de trânsito, reparações devidas à má conservação das estradas – aos clientes mediante aumentos de frete. Mas, o que ocorreu de inusitado é que eles debitaram a conta inteiramente ao governo. Toda pauta de reivindicações do movimento estava dirigida à autoridade pública, responsável pela privatização das rodovias e conseqüente multiplicação e elevação de pedágios, pela contínua elevação dos preços dos combustíveis, pela aplicação do Código Nacional do Trânsito e pela decadência do sistema rodoviário.

A insatisfação dos caminhoneiros, que certamente atinge outros setores ponderáveis do povo, é causada pelo incessante ajuste fiscal, que o atual governo está implementando desde que tomou posse (há mais de quatro anos) e que se traduz em contínuo corte de verbas para despesas públicas, sem poupar sequer as mais essenciais. A privatização das rodovias é uma política acessória do ajuste, pois além de produzir receita para os cofres públicos, transfere aos novos concessionários as inversões na recuperação das estradas, que antes era de responsabilidade do governo. O contínuo reajuste dos combustíveis também é parte do ajuste fiscal, o mesmo podendo ser dito da crônica falta de recursos para a manutenção rodoviário no orçamento federal.

O ajuste fiscal era motivado (ou pelo menos justificado) nos governos anteriores pelo combate à inflação. Mas, esta desapareceu da economia brasileira nos últimos anos. Hoje o ajuste fiscal tem como pretensa causa o combate ao déficit público, o qual é do mesmo tamanho que o pagamento dos juros da dívida pública. O que significa, em última análise, que os caminhoneiros têm sido obrigados a pagar mais pelo óleo diesel, pelo direito de circular (pedágio) e por pneus e reparos do caminhão em conseqüência das péssimas condições das estradas, para que o governo federal possa ter o superávit primário que consta da carta de intenções ao FMI.

O protesto dos caminhoneiros dirigiu-se contra o ajuste fiscal e portanto contra a prioridade máxima da política econômica do governo federal. É provável que a maioria dos caminhoneiros e inclusive de sua liderança não saiba a extensão da cadeia causal que o seu movimento atingiu. O fato fundamental é que o atendimento de suas reivindicações fere de morte o ajuste fiscal e portanto o cerne da política econômica do governo. Por isso é muito pouco provável que este atendimento venha a ocorrer, em medida significativa. O que pôs fim ao movimento foi apenas uma trégua. É muito possível que ele volte, quando a incompatibilidade de suas reivindicações com o ajuste fiscal se tornar óbvio.

A impressão que ficou na opinião pública, pelos relatos da imprensa, é que os caminhoneiros foram vitoriosos. Isso poderá estimular a movimentação de outros setores, igualmente prejudicados pelo ajuste fiscal. O que torna a situação social potencialmente explosiva é que as perdas ocasionadas pelos sucessivos ajustes fiscais parecem jamais ter fim. O recente movimento dos caminhoneiros, pela surpreendente dimensão que atingiu e pela simpatia que despertou na população, pode ser visto como um sinal da exasperação e desespero em que se encontram amplos setores da sociedade. Se for assim, novas e graves agitações de protesto poderão engrossar a próxima paralisação do transporte rodoviário.

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