1. Porque um novo sistema financeiro ?
O sistema financeiro nacional, capitaneado pelo Banco Central, é hoje um poderoso fator de concentração da renda, pelas razões expostas no texto Contribuição para uma política de crédito popular (micro-crédito, finanças solidárias), de 2004. Sob este aspecto, o sistema financeiro brasileiro não se distingue dos de outros países. Hoje, a grande maioria deles obedece às diretrizes do BIS, o banco central dos bancos centrais, sediado na Basiléia (Suiça), cidade que se tornou notória como sinônimo de conservadorismo financeiro. Estas diretrizes, ditas “prudenciais” priorizam o interesse do depositante sobre o do mutuário ou prestatário (tomador do empréstimo), que é sempre encarado como risco.
O banco (e demais intermediários financeiros) se considera representante do depositante, cujo interesse maior seria a preservação do valor por ele confiado ao banco. Esta postura impregna fortemente a conduta do banco face aos que precisam de empréstimos, que pode ser resumida na minimização do risco. Consequentemente, o banco atende apenas uma parte dos que o procuram em busca de financiamento. Esta parte é a que oferece melhores garantias de que o dinheiro emprestado será devolvido no prazo contratado, acrescido dos juros. Não por acaso, os clientes atendidos pelo banco são as empresas maiores, os consumidores mais ricos, os especuladores financeiros melhor aquinhoados.
Quem são os não atendidos pelo banco? São antes de mais nada os destituídos de propriedades e de rendas, empresas e consumidores em dificuldades, muitos deles necessitando apenas de mais tempo para poder saldar compromissos etc., etc.. Se mudarmos o foco das pessoas não atendidas para as classes sociais sistematicamente postas à margem pelo sistema financeiro, fica claro que estas são o operariado, o campesinato, os pequenos produtores de mercadorias, os desempregados e a variada clientela dos agiotas. Se voltarmos o foco para os depositantes, fica evidente que a grande maioria deles pertence às classes que não são atendidas enquanto candidatos a empréstimos. O dinheiro dos pobres é usado para permitir aos ricos acumular capital adicional, além das fortunas já amealhadas.
O Brasil assiste ao decréscimo da desigualdade, ao longo do primeiro mandato do Presidente Lula, em decorrência de diversas políticas redistributivas, entre as quais as que deram acesso a crédito a camadas que estavam privadas dele. Infelizmente, as políticas que podemos chamar de abertura social do crédito não chegam a formar um sistema e por isso estão longe de atender a totalidade da demanda dos financeiramente excluídos. O seu potencial de reverter a tendência de concentração da renda pela intermediação financeira está longe de se realizar.
2. Um sistema financeiro social
Este seria um sistema cuja prioridade não seria apenas o depositante mas também o tomador de empréstimo. Suas unidades teriam como objetivos a solução de um ou mais problemas sociais: inserção produtiva de beneficiários de programas de transferência de renda; preservação de postos de trabalho em empreendimentos de autogestão; apoio financeiro à propagação da agricultura ecológica e outras práticas amigas da natureza; crédito educativo para estudantes carentes; financiamento de empreendimentos de economia solidária; depósitos em fundos comunitários e bancos comunitários; financiamento da produção ecológica de fontes vegetais de energia renovável; entre muitos outros problemas que o acesso a dinheiro ajudar a resolver.
O Sistema Financeiro Social teria por função complementar o atualmente existente, mas sem evitar de concorrer com ele. Cada unidade dele – banco, fundo de investimento, companhia de seguros etc. – disputaria com as unidades do sistema convencional o dinheiro dos depositantes, tendo como atrativo a sua função social. Já há uma experiência internacional bastante exitosa com bancos e fundos éticos, principalmente no 1º Mundo. O banco ou cooperativa de crédito social se distinguiria do intermediário convencional por ter, em seu estatuto, o compromisso de priorizar em sua política de crédito determinadas finalidades sociais.
Os bancos de crédito social, em vez de abrir filiais, poderiam constituir redes para troca de informações, tecnologia e eventualmente fundos, além de oferecer serviços de pagamento em âmbito nacional e internacional. Estes bancos poderiam ser cooperativas de crédito, sociedades limitadas, sociedades anônimas etc., ligados a uniões de cooperativas, sindicatos, associações de moradores, de profissionais, de jovens, de amantes de artes, esportes e assim por diante.
3. Dúvidas
O SFS poderia ser dirigido pelo Banco Central convencional ou por um Banco Central de Crédito Social. Se for o Banco Central convencional, este teria de se adaptar à lógica do SFS.
A mesma dúvida cabe em relação à legislação financeira. Será necessário criar uma legislação própria para o SFS ou bastaria adaptar a legislação existente? Se bancos sociais resolvessem emitir moeda social, que circularia dentro dum meio delimitado – um clube de trocas ou uma rede deles – isso teria de ser necessariamente regulado por lei?
A regulamentação do SFS poderia prever bancos geridos conjuntamente por representantes de funcionários ou sócios, depositantes e mutuários? bancos de propriedade dos depositantes e mutuários (como o Grameen Bank)? Os bancos sociais não deveriam ser administrados por profissionais assalariados com liberdade de aplicar os depósitos onde quisessem!
etc., etc., etc.,etcetera…
Paul Singer, 2008