Fazes um ano no ano de 1966
em que uma guerra no Vietnã
não se sabe como vai acabar…
Fazes um ano num ano
em que o gênero humano
não sabe o que será seu amanhã;
em que homens negros,
nos Estados Unidos, na África, no Brasil
querem comer todo dia
e vestir e morar e estudar e amar
com abundância, em paz e em liberdade;
em que poetas querem dizer que uma flor é uma flor,
e cientistas querem descobrir como acabar com a dor;
em que estudantes querem saber como e por que
o mundo não é o que deveria ser
Fazes um ano num ano
em que os homens olham com temor
as máquinas que construíram
o saber que conquistaram
o domínio sobre a natureza que alcançaram
e que ameaçam destruí-los
mais que o fogo, as águas e os micróbios no passado
Fazes um ano num ano
em que os homens não sabem mais
distinguir o certo do errado;
não sabem mais se o amor é pecado ou virtude
se a mulher (e você é mulher!) é serva do homem
ou deusa do homem
ou ornamento do homem
ou companheira do homem.
se a criança deve ser obediente, bem educada, dócil e boa
ou rebelde, curiosa, indagadora e atrevida
se o homem deve ser (antes de mais nada) marido e pai
ou cidadão e soldado
ou companheiro e revolucionário
ou simplesmente produto da cultura de TV.
Enfim, fazes um ano num ano
em que teu pai, de longe
só pode te desejar alegria, força e amor à vida,
pois neste mundo em que ele te pôs
a ninguém está assegurado um lugar ao sol sem lutar
Felicidades para você, filha minha
que os anos vindouros sejam tão leves quanto este que passou,
que você possa aprender (sem sofrimento desnecessário)
a aceitar sem se resignar
a ficar em paz consigo mesma (mesmo à custa da paz com os outros)
a ser leal sem ser vítima de falsa piedade
é o que deseja teu pai
neste dia de teus anos em que ele não pode te ver
Princeton, 14 de outubro de 1966